O ACORDO
Durou quase 30 anos a espera de milhões de brasileiros que sofreram perdas nos rendimentos das cadernetas de poupança em consequência dos planos econômicos implementados entre os anos de 1987 e 1991. Em 11 de dezembro de 2017, o Idec, a Febrapo (Frente Brasileira dos Poupadores) e a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) chegaram a um acordo, mediado pela AGU (Advocacia-Geral da União).
Para começar a valer, o documento precisa ser homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o que já começou a ocorrer, com decisões do ministro Dias Toffoli em 18 de dezembro. Ainda é necessária a apreciação dos ministros sobre outros três recursos, o que só deve ocorrer a partir de fevereiro de 2018, quando o Supremo volta do recesso forense.
O acordo prevê o ressarcimento a todos os poupadores, independentemente de vínculo com as associações signatárias, prejudicados pelos Plano Bresser, Verão ou Collor II que ingressaram na Justiça com ações individuais ou que executaram sentenças de ações civis públicas ou coletivas dentro dos prazos legais.
O termo é voluntário: trata-se de uma opção para quem quiser encerrar as disputas judiciais.
Quem aderir ao acordo concordará com os critérios fixados para o cálculo do ressarcimento, que variam conforme o plano econômico. Para valores até R$ 5 mil, o pagamento será integral e à vista indenizações acima desse patamar terão descontos de 8% a 19% e poderão ser parceladas entre três e cinco vezes, a depender do montante.
A adesão será escalonada em 11 lotes, separados de acordo com o ano de nascimento do poupador, a fim de que os mais idosos possam receber primeiro. Porém, aqueles que executaram ações em 2016, serão contemplados no último lote, independentemente da idade.
POR QUE O IDEC FEZ ACORDO?
O acordo foi celebrado após mais de um ano de intensas negociações entre as entidades, nas quais o Idec atuou como elemento central para resguardar direitos, em um cenário de incertezas e de retrocessos para os poupadores.
Ao longo de todos esses anos, o Idec, protagonista das ações para defender os poupadores, lutou bravamente nos tribunais para garantir a reparação dos prejuízos causados pelos bancos. Foram centenas de ações, muitas delas vitoriosas, que permitiram o pagamento a milhares de brasileiros.
Porém, muitos processos ainda seguiam em andamento e, nos últimos anos, aspectos já pacificados a favor dos poupadores começaram a ser questionados pelos bancos e modificados por decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Algumas dessas decisões minaram as chances de sucesso de ações civis públicas e reduziram em cerca de 70% o valor das indenizações, por exemplo. Veja na aba NOSSA LUTA todos os detalhes dessa história.
Nesse contexto, muitos poupadores associados do Idec - boa parte deles já em idade avançada -, vendo seus direitos reduzidos após décadas de espera, passaram a demandar uma solução alternativa e mais célere.
O Idec participou das negociações com o mesmo compromisso de defender os interesses dos poupadores que, em 1990, motivou sua primeira ação judicial sobre o tema e que marcou toda a sua história.
Um acordo pressupõe que as partes envolvidas cedam em alguns pontos, e não foi diferente nesse caso. Mas, como protagonista nessa longa e árdua luta pelos poupadores contra interesses poderosos, o Idec assinou esse documento com a convicção de que, neste contexto, ele era a melhor saída.
NOSSA LUTA
Durante toda a década de 90 e até o fim dos anos 2000, os tribunais brasileiros reconheceram e consolidaram o direito à reparação dos prejuízos sofridos nas cadernetas de poupança em decorrência dos planos econômicos. A segurança do entendimento que se formou nesse período foi confirmada em um número relevante de casos que transitaram em julgado - ou seja, que chegaram a decisões definitivas - sem recurso dos bancos.
Essas decisões permitiram que muitos poupadores conseguissem receber indenizações por esses prejuízos. Ao longo de quase 30 anos, o Idec pagou cerca de R$ 79 milhões a 4 mil associados, e um número incontável de consumidores Brasil afora beneficiaram-se de suas ações civis públicas vitoriosas.
Porém, nem todas as ações tiveram desfecho no Judiciário e, no fim da década passada, muitos aspectos já pacificados a favor dos poupadores começaram a ser remexidos em função de uma campanha capitaneada pelos bancos, que apresentaram centenas de milhares de recursos judiciais, contando com o apoio até mesmo do Banco Central.
De um lado, os bancos ingressaram com a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 165 no STF (Supremo Tribunal Federal) para extinguir todos os processos relacionados aos planos econômicos e, de outro, adotaram a estratégia de tentar reverter, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), tudo o que já fora decidido a favor dos poupadores, com recursos intermináveis e protelatórios sobre ações que já tinham decisão definitiva.
STJ REDUZ A CONTA DOS BANCOS
Em um movimento liderado pelo ministro Luis Felipe Salomão, o STJ passou a adotar uma jurisprudência restritiva ao direito dos poupadores, dando interpretações inovadoras para situações que já eram velhas conhecidas. Em 2010, por exemplo, a Corte reduziu de 20 para 5 anos o prazo para ingressar com ações civis públicas, minando as chances de sucesso de milhares de processos sobre planos econômicos.
Em 2015, outra decisão do STJ, da qual Salomão foi o relator, enxugou em cerca de 70% o valor das indenizações a serem pagas aos poupadores, ao afastar a aplicação de juros remuneratórios.
O Idec reagiu e contra-atacou diante de todas as ameaças. Quando a ADPF 165 foi apresentada ao STF, o Instituto imediatamente pediu ingresso como amicus curiae (amigo da Corte), reuniu-se com os ministros e realizou estudos jurídicos e econômicos que demonstravam claramente o equívoco dos argumentos dos bancos. Além disso, o Idec mobilizou os consumidores em diversas campanhas nos últimos anos.
IMBRÓGLIO JURÍDICO
Diferentemente do STJ, a maioria dos ministros do Supremo mostrou-se sensível à manutenção dos direitos dos poupadores e da segurança jurídica gerada pelas decisões favoráveis ao longo de todos esses anos, tanto que não concedeu a liminar solicitada pelos bancos. Mas, em função de uma agenda atribulada, o STF não concluiu o julgamento da ADPF 165 e de recursos extraordinários que, por decisão dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, paralisaram o andamento de milhares de ações sobre o tema desde 2010.
Apesar da resistência do Idec, de outras entidades parceiras e da mobilização dos poupadores de todo o Brasil, todo o esforço não vinha sendo suficiente para garantir o pagamento devido aos poupadores, que aguardam há quase 30 anos uma solução definitiva para o imbróglio jurídico, e para evitar retrocessos aos seus direitos.
Diante desse cenário de martírio para o poupador, de esperar, de um lado, decisão final do STF e, de outro, ver seus direitos serem reduzidos pelo STJ, a negociação de um acordo surgiu como uma possibilidade real de que os consumidores, enfim, obtenham, mesmo que parcialmente, a reparação que lhes é devida.
Confira, abaixo, mais detalhes sobre os principais momentos e reviravoltas dessa batalha.
LINHA DO TEMPO
1990: Idec move sua primeira ação judicial sobre o tema, pedindo as diferenças do Plano Verão (1989) para quatro associados. No mesmo ano, o Instituto também entrou com 120 mandados de segurança para desbloquear os valores retidos pelo Plano Collor I, instituído em março de 1990, para um grupo de 1.200 poupadores.
1993: é ajuizada a primeira ação civil pública (ACP) sobre o tema, contra o Banco Mercantil para reparação dos prejuízos com o Plano Verão.
Fim dos anos 90: com as decisões judiciais reconhecendo o direito dos poupadores ao ressarcimento dos prejuízos com os planos Bresser e Verão, os bancos começaram a apresentar teses para extinguir as ações civis públicas do Idec. Uma delas foi a de que as cadernetas de poupança não caracterizariam relação de consumo e, dessa forma, o Instituto não seria parte legítima para defender os poupadores nas ações coletivas.
2001: STJ reconhece que as cadernetas de poupança configuram relação de consumo, afastando o argumento das instituições financeiras. Mas os bancos recorrem ao STF (Supremo Tribunal Federal), por meio de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade), para excluir todas as atividades bancárias da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A Adin só é julgada em 2006, com vitória para o consumidor.
2003: STF consolida entendimento contra poupadores para ressarcimento das perdas com o Plano Collor I, que já vinha sofrendo revezes na Justiça. Diante das decisões desfavoráveis, Idec não ingressou com ações sobre Plano Collor II.
2008 - Febraban (Federação Brasileira de Bancos) divulga que indenizações decorrentes das ações do Plano Verão podem atingir cifra de R$ 100 bilhões, o que traria desequilíbrio ao sistema financeiro, e ameaça entrar com ação para extinguir processos. Idec lança manifesto contra o calote do Plano Verão e se reúne com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) para defender os poupadores.
2009: em março, Consif (Confederação do Sistema Financeiro) ingressa com a ADPF 165 no STF para extinguir todos os processos sobre planos econômicos alegando, de um lado, que planos foram constitucionais e, de outro, o suposto "risco sistêmico" do pagamento das indenizações aos poupadores. Idec entra no processo como amicus curiae (amigo da Corte) e apresenta aos ministros do STF dois estudos: um jurídico, demonstrando que a questão já havia sido pacificada em favor dos poupadores em relação aos Planos Bresser e Verão e outro econômico, retratando a plena capacidade dos bancos de pagar as diferenças sem comprometer sua liquidez além de um abaixo-assinado que reuniu mais de 12 mil assinaturas contra a ADPF 165.
2010: STF define como repercussão geral quatro recursos extraordinários sobre planos econômicos, o que significa que o que for decidido valerá para todas as ações semelhantes. A medida, concedida pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, paralisa todos os processos semelhantes que ainda não tinham decisão definitiva.
No mesmo ano, por iniciativa do ministro Luiz Felipe Salomão, o STJ reduz de 20 para 5 anos o prazo para entrar ações civis públicas (ACPs) em defesa do consumidor. Decisão acaba com as chances de sucesso de todas as ACPs do Idec sobre o Plano Bresser, ajuizadas em 2007, e de todos os demais processos propostos após o prazo de 5 anos.
2013: Idec lança campanha e envia petições ao STF pedindo julgamento da ADPF 165 e dos recursos extraordinários sobre planos econômicos para definir, de uma vez por todas, o direito dos poupadores. Instituto também entregou aos ministros um calhamaço com mais de 20 mil assinaturas pedindo justiça aos poupadores.
Em novembro, o Supremo inicia o julgamento, mas não o conclui. Na ocasião, o Idec, como amicus curiae, fez sustentação oral no plenário da Corte defendendo os poupadores, apresentando dados de um novo estudo econômico que reitera que os valores alegados pelos bancos (e endossados pelo Banco Central) eram falaciosos. Enquanto eles falavam em R$ 149,9 bilhões - desconsiderando fatores como as decisões desfavoráveis aos Planos Collor I e II e as ações afetadas pela redução do prazo de prescrição -, o Idec calculou que o valor a pagar seria de, no máximo, R$ 8,4 bi. Assim, o suposto risco ao sistema financeiro era, na verdade, uma "granada oca", para distrair os juízes da Suprema Corte.
2014: recurso judicial do Banco do Brasil no STJ tentava limitar a abrangência da ACP vitoriosa do Idec sobre o Plano Verão apenas a poupadores do Distrito Federal, onde a sentença foi proferida, em vez de a todos os poupadores do País - subvertendo a lógica da ação civil pública.
No mesmo ano, o STJ também julgou outro recurso que representava forte ameaça à eficácia da ação civil pública: um que tratava do início da contagem dos juros de mora na execução de uma ACP. A decisão foi apertada, mas favorável ao consumidor.
Outro artifício utilizado pelos bancos nessa época foi tentar emplacar a "tese da lista", alegando que só poderiam se beneficiar das ACPs do Idec associados que tivessem listados na petição inicial do processo - o que não existe nesse tipo de ação. Essas ameaças não pararam por aí.
2015: vêm à tona novos recursos para rever os cálculos das indenizações que deveriam ser pagas aos poupadores. Os bancos pedem revisão das regras sobre juros remuneratórios, expurgos inflacionários e juros de mora. O Idec estima que, com a mudança pretendida na aplicação de juros remuneratórios e juros de mora, o poupador receberia cerca de um décimo do que lhe era devido.
Em abril daquele ano, sob a relatoria do ministro Salomão, o STJ acata pedido dos bancos e retira a aplicação de juros remuneratórios nos processos em que a sentença não prevê expressamente a sua incidência até o pagamento pelo banco, revendo a jurisprudência a favor do poupador. Com isso, o valor da indenização é reduzido em cerca de 70%.
2016: Em agosto, Idec entrega petição e reúne-se com ministros do STF pedindo julgamento dos planos econômicos.
Em setembro, com mediação da AGU (Advocacia-Geral da União), Idec, Febrapo (Frente Brasileira dos Poupadores) e Febraban começam a se reunir para discutir a viabilidade de um acordo para encerrar as disputas judiciais sobre planos econômicos.
2017: volta à baila a tese da lista de beneficiários de ações civis públicas. Em agosto, o tema entra na pauta de votação do STJ, o que leva o Idec a realizar uma campanha para pressionar os ministros da Corte a não limitar seus direitos.
O tema começa a ser julgado em setembro, e ministro Raul Araújo, relator dos recursos, confirma que todos os poupadores têm direito de se beneficiar das ações civis públicas do Idec. No entanto, o ministro Ricardo Villas-Boas Cueva retira o caráter repetitivo dos recursos, definindo que eles deveriam ser julgados isoladamente, porque já havia entendimento contra a limitação de beneficiários de ações civis públicas. Dessa forma, os recursos são remetidos para julgamento de forma individual pela 4ª Turma do STJ e o que viesse a ser decidido impactaria os poupadores dos bancos diretamente envolvidos - Nossa Caixa (hoje Banco do Brasil) e HSBC (hoje Bradesco).
Em 11 de dezembro, após mais de um ano de intensas negociações entre representantes dos poupadores e dos bancos, com intermediação da AGU, o acordo é celebrado e enviado para homologação do STF.
Fonte: https://idec.org.br/planos-economicos/planos-economicos