1.Considerações introdutórias
A atual lei 8.666/93 que regula as licitações e contratos da administração pública estásignificativamente defasada em vários aspectos técnicos e jurídicos, e não acompanhou a dinâmica da demanda atual de contratações, gerando dificuldades para os profissionais que atuam nos procedimentos licitatórios e de contratações públicas, devido principalmente as amarras legislativas que estão sujeitos os envolvidos no procedimento licitatório e o excesso de burocracia.
Nos últimos anos diplomas normativos introduziram inovações, para atualização do modelo de licitações reguladas pela lei 8.666/93, que se encontra defasada. Exemplo disso são a lei do Pregão e o RDC, que foram iniciativas importantes para diminuir a burocracia e dar mais eficiência para o processo de licitação. E agora tem-se uma nova perspectiva de mudança com o PL 6814/17.
Assim sendo, o presente trabalho busca analisar as principais mudanças trazidas pelo PL 6814/17, que já foi submetido a um primeiro processo de votação junto ao Senado e no dia 25 de junho de 2019 teve seu texto principal aprovado na Câmara dos Deputados.
2. Projeto da nova lei de licitações
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 25 de junho de 2019 o texto base do projeto de lei 6814/17 que institui normas para licitações e contratos da administração pública e revoga a lei 8.666/93 (lei das Licitações), a lei 10.520/02 (que instituiu a modalidade pregão nas licitações) e dispositivos da lei 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações- RDC).
A nova lei introduz algumas novidades no âmbito das licitações e contratações públicas, com o acolhimento de algumas regras constantes das leis 10.520/02 e 12.462/11, reformula e exclui dispositivos da lei 8.666/93, ela inova significativamente em relação à lei 8.666/93, altera o rito do procedimentos licitatório e traz novidades de maneira geral para todos os processos de licitações.1
Em debate no Congresso Paranaense de Direito Administrativo Vivian Lima Lopes Valle destaca que atualmente se vive em um momento de aumento de complexidade nas relações jurídicas administrativas, e que exige soluções adequadas as suas demandas, e assim, os modelos de licitações e contratos estabelecidos no século passado não atendem mais as necessidades de vantajosidade, legitimidade, eficiência e economicidade das licitações. Contudo, um Estado que realiza seus serviços públicos através de contratos administrativos necessita pensar que o processo de licitação é determinante para o sucesso da contratação. Assim, defende uma relação mais paritária e mais equilibrada com o particular.
E, para ela projeto de lei 6.814/17, reforma a lei de Licitações em diferentes aspectos e traz novidades importantes incorporando um pouco do modelo consensual e desse novo paradigma de relações jurídicas administrativas.2
2.1. Principais mudanças trazidas pelo projeto de lei
Inicialmente, o que chama atenção é o art. 1º do projeto de lei 6814/173, que apesar de expor em seu conteúdo que contém somente normas gerais de licitações públicas, não é verdade, pois tanto a lei 8.666/93 e o projeto de lei 6.814/17 contemplam normas gerais e normas específicas. O que para Edgar Guimarães falha o projeto em não separar o que é norma geral e o que é norma específica, causando uma insegurança nas outras pessoas políticas que integram a federação e que têm competência legislativa para ter suas leis de licitações e contratos.4
Conforme art. 15º do projeto de lei 6.814/17, observa-se as seguintes fases no processo licitatório: I) preparatória II) publicação do edital de licitação III) apresentação de propostas e lances, quando for o caso IV) julgamento V) habilitação VI) recursal e VII) homologação.
O projeto de lei procura assegurar um melhor planejamento das contratações públicas, um exemplo é a partir da exigência da apresentação do projeto completo para serviços e obras de engenharia, que somente poderão iniciar com o projeto completo (básico e executivo) e esse projeto vai ser discutido dentro do processo de licitação, inclusive pelos próprios licitantes. Atualmente, na lei 8.666/93, como já abordado anteriormente, para que as obras e serviços de engenharia sejam licitados a exigência é o projeto básico, com baixa especificação, sem informações suficientes.
Esse foi um assunto discutido pelo senador Fernando Bezerra.
O principal aspecto do substitutivo destacado por Bezerra foi o aperfeiçoamento da lei para que seja assegurado um melhor planejamento das contratações públicas. Pelo texto, serviços e obras de engenharia somente poderão começar quando houver projeto executivo. O objetivo é repelir a prática comum de realizar licitações apenas com o projeto básico, acarretando inúmeros aditivos para corrigir deficiências do projeto.5
Para Vivian Lima Lopes Valle na lei 8.666/93, a fase interna da licitação era pouco detalhada, e agora o projeto de lei atenta para essa fase interna de outra maneira, exigindo um planejamento obrigatório, de modo a evitar inexecuções contratuais futuras, garantindo melhor planejamento no processo licitatório.6 Conforme evidenciado noart. 16º do projeto de lei 6814/17.7
Outra inovação importante para o rito de licitação é em relação às modalidades de licitações. Conforme dispõe art. 25º do projeto de lei 6814/178, verifica-se que foi criada uma nova modalidade de licitação chamada diálogo competitivo e extinguiu-se as modalidades "tomada de preços" e "convite" previstas no art. 22, da lei 8.666/93.9
O diálogo competitivo10 é a modalidade de licitação em que a administração pública realiza diálogos diretamente com os licitantes previamente selecionados com o intuito de buscar alternativas capazes de atender às necessidades de interesse público, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento deste diálogo competitivo.11
Essa modalidade de licitação conhecida também como "diálogo concorrencial" já é adotada em diversas legislações estrangeiras12, utilizados em contratos complexos, em que os órgãos ou entidades contratantes não tenham domínio para resolver tal complexidade.
O diálogo competitivo seguirá da seguinte forma: inicialmente o edital descreverá as necessidades da administração e as exigências já definidas segue-se para fase de pré-qualificação dos licitantes, através de critérios determinados no edital quando os licitantes passarem pela fase de pré-qualificação, serão realizados sucessivos diálogos com os licitantes, não sendo divulgado aos outros participantes as soluções propostas dos outros licitantes ao identificar alternativas que atendam as necessidades da administração pública, será declarada a conclusão do diálogo após a conclusão do diálogo abre-se prazo não inferior a 20 dias, para os licitantes apresentarem suas propostas finais com todos os elementos requeridos e necessários a realização do projeto.13 O diálogo competitivo será conduzido por banca composta de, pelo menos, três servidores públicos, admitindo-se a contratação de profissionais para o assessoramento técnico da banca, e existe também a possibilidade de acompanhamento e monitoramento dos diálogos pelos órgãos de controle.14
Percebe-se que essa modalidade apresenta certo grau de informalidade e que deverá ser realizada de forma muito transparente para que não sirva para direcionamentos, desvirtuando-se dos objetivos do procedimento licitatório. Para Edgar Guimaraes parece um pouco perigoso no sentido de possibilitar conluios, direcionamentos de licitações ou até restrições indevidas.15
O projeto de lei também prevê a partir da tendência consagrada em outros diplomas legais, como na lei 8.666/93, instrumentos de participação direta através de audiências e consultas públicas nas licitações, sempre que a Administração sentir necessidade de colher a expertise do mercado privado, para que os privados ofereçam soluções para os problemas que ela se depara, as audiências públicas também garantem maior legitimidade ao procedimento.16
Também possibilita o orçamento sigiloso, que já é adotado no RDC. Como já discutido no capítulo anterior o orçamento sigiloso traz vantagens, pois como destaca Edgar Guimaraes em palestra proferida no TCE, realizado no dia 6 de junho de 2018, a divulgação influência os licitantes na apresentação das suas propostas, podendo trazer resultados ruins para escolha da melhor proposta. Para ele o sigilo do orçamento obriga a licitante a fazer o orçamento, possibilitando a entidade licitadora a receber preços mais reais.17
O projeto de lei também contempla que inversão de fases se estabelece como regra geral no PL 6814/17 , o julgamento antes da etapa de habilitação seguindo a tendência da lei do Pregão e do RDC, e excepcionalmente a fase da habilitação poderá anteceder as fases de apresentação das propostas e de julgamento, e como já destacado anteriormente essa tendência trouxe rapidez e eficiência para o procedimento licitatório.18
A licitação se processa primeiramente com uma fase preparatória dando ênfase ao planejamento da licitação, de forma subsequente a fase preparatória, ocorre a fase de apresentação de propostas ou lances, a fase de negociação, fase de habilitação do primeiro colocado, fase recursal, fase de homologação. Tudo isso em etapa única, muito semelhante à modalidade pregão, algo que muito se clamava nos últimos tempos, dada a burocracia que o rito procedimental da lei 8.666/93 impõe no processamento e julgamento das licitações, como destaca Edgar Guimarães.19
Em audiência pública em 25 de abril de 2018 na Câmara dos Deputados, Victor Aguiar Guimarães, responsável pelos pregões do Senado Federal criticou o fato do projeto de lei 6817/17 limitar a modalidade pregão para aquisição de bens, e no caso de obras e serviços comuns de engenharia somente quando envolver valores inferiores a R$ 150.000,00(cento e cinquenta mil). Para ele, o pregão é célere, dinâmico e transparente.20
No art. 15º do projeto de lei 6.814/17 as licitações também deverão ser realizadas, preferencialmente, eletronicamente, como no caso do pregão e do RDC.21
Uma inovação importante é a exigência de uma matriz de risco para contratos com valor estimado acima de R$ 100.000.000,00(cem milhões de reais), que é algo muito semelhante ao que existe no RDC, de modo a obrigar a definição clara e objetiva de responsabilidade do poder público e do contratado sobre os diferentes riscos do negócio, então é algo que vai privilegiar equilíbrio econômico-financeira do contrato, segurança e estabilidade das relações e evitar conflitos. A matriz de risco deverá promover a locação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelece a responsabilidade que cabe a cada parte contratante.22
Também a inovação em relação à contratação obrigatória do seguro de até 30%(trinta por cento) do valor das contratações nas obras e nos serviços de engenharia de grande vulto(as de menor, 5% a 20%) para garantir a finalização da execução, caso o contratado não consiga terminar a obra, a seguradora fica responsável pelo pagamento do seguro ou término da obra, e a seguradora é obrigada aassinar o contrato junto com o contratado. Porém, como destacouVivian Lima Lopes Valle no Congresso Paranaense de Direito Administrativo, realizado em agosto de 2017, haverá uma ampliação dos custos do negócio.23
Em relação ao PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), a administração pública tem a possibilidade de acessar a iniciativa privada para a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos na futura licitação.
O projeto de lei incorpora o regime de contratação integrada24 previsto na lei do RDC, com uma restrição para obras acima de R$ 100.000.000,00(cem milhões de reais), onde a empresa poderá realizar o projeto e a obra.25 Existe certa polêmica em relação a contratação integrada, a folha de São Paulo destaca que as "empresas de engenharia de projeto e arquitetura consideram a modalidade inadequada".26
Há diferentes alterações no projeto, mostrando que o consensualismo é uma realidade da contemporaneidade, e o relacionamento cada vez mais intenso entre o público e o privado.
Para Fernando Vernalha é um projeto mal feito, pois vê o projeto como uma colagem dos outros diplomas, acreditando que seja sem coerência sistêmica, e sem inovações importantes do ponto de vista da estruturação.27
Marçal Justen Filho afirma que o atual modelo de licitações não funciona, e que o modelo atual de licitações não permite que o resultado final seja atingido. Mas, para ele, antes de mudar, aperfeiçoar, retificar é preciso saber o porquê esse modelo não funciona, "não se pode diagnosticar um remédio sem saber qual a é a doença".28
Para Edgar Guimarães este projeto de lei apresenta algumas alterações interessantes, mas infelizmente não solucionam os problemas que vivenciamos hoje nas licitações públicas.29
O projeto de lei propõe mudanças significativas no procedimento licitatório, algumas modificações são inovadoras, e alguns conceitos já conhecidos da legislação vigente. Ele avança, estabelecendo que a fase interna deve cuidar de buscar o valor da contratação de maneira muito mais profissional do que a lei 8.666/93 e procura exigir um planejamento mais denso por parte do administrador. É possível perceber claramente que o projeto de lei busca a eficiência nas licitações.
Certamente, que muitos foram os debates acerca desse projeto de lei, o que foi sendo feito com audiências públicas no sentido de ouvir da comunidade jurídica, com algumas sugestões e críticas acerca do projeto de lei.
Espera-se que os interesses econômicos e políticos não se sobreponham à necessidade de implementação dos princípios administrativos nas contratações públicas, mas que antes, possam ser plenamente conjugados com o especial regime jurídico de direito público, assentado em prerrogativas e sujeições especiais que somente se justificam em função do atendimento do interesse público.
Com a aprovação deste projeto de lei, o novo regulamento exigirá um tempo para sua maturidade, pois a lei 8.666/93 tem 25 anos de existência, com muitas discussões, litígios administrativos e judiciais. Bem ou mal a lei 8.666/93 representa um norte aos envolvidos no procedimento licitatório e com a edição de uma nova lei alguns procedimentos terão que ser analisados do zero, não haverá jurisprudência ou precedentes disponíveis para orientar os envolvidos na licitação.
3. Conclusão
No Brasil, desde o ano de 1993, as compras realizadas pela administração pública do país são reguladas pela lei 8.666/93, e já é consenso entre diversos juristas que tal lei se encontra defasada sob diversos aspectos.
Neste contexto, existia a necessidade de elaboração de uma lei mais atualizada, completa e mais adequada para atender as necessidades atuais do país.
Diante disso, a nova lei de Licitações poderá trazer mudanças importantes nos procedimentos licitatórios, e buscará solucionar os defeitos na atual legislação que dispõem sobre licitações e contratos da administração pública, trazendo assim, melhores condições para a contratação e administração de contratos públicos.
O projeto de lei propõe mudanças significativas no procedimento licitatório, algumas modificações são inovadoras, e alguns conceitos já conhecidos da legislação vigente. Ele avança, estabelecendo que a fase interna deve cuidar de buscar o valor da contratação de maneira muito mais profissional do que a lei 8.666/93 e procura exigir um planejamento mais denso por parte do administrador. É possível perceber claramente que o projeto de lei busca a eficiência nas licitações, tornando-a mais simples, mais flexível.
O projeto de lei também traz mais consensualidade para dentro do ambiente licitatório, com uma relação mais consensual, mais negocial. O País ganhará muito com uma licitação menos complicada, o procedimento será mais célere, e as obras, serviços e os bens de serão de melhor qualidade e mais eficientes.
Todavia, este novo projeto de lei ainda necessita de uma ampla discussão, análises e ponderações, para um aperfeiçoamento com a atual realidade da administração pública.
O país precisa de uma lei mais simples, mais flexível, uma lei com mecanismos mais eficientes e mais eficazes para realizar licitações e contratações.
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10 Art. 5o Para os fins desta lei, consideram-se:
XLI - dialogo competitivo: modalidade de licitac¸a~o em que a Administrac¸a~o Publica realiza dialogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender a`s suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final apos o encerramento do dialogo
24 Art. 5º Para os fins desta lei, consideram-se:
(...)
XXX - contratac¸a~o integrada: regime de contratac¸a~o em que o contratado e responsavel por elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, executar obras e servic¸os de engenharia, fornecer bens ou prestar servic¸os especiais e realizar montagem, teste, pre-operac¸a~o e todas as demais operac¸o~es necessarias e suficientes para a entrega final do objeto, com remunerac¸a~o por prec¸o global, em func¸a~o das etapas de avanc¸o da execuc¸a~o contratual
25 Art. 41. Na execuc¸a~o indireta de obras e servic¸os de engenharia, sa~o admitidos os seguintes regimes:
I - empreitada por prec¸o unitario
II - empreitada por prec¸o global
III - empreitada integral
IV - contratac¸a~o por tarefa
V - contratac¸a~o integrada
VI - contratac¸a~o semi-integrada
VII - fornecimento e prestac¸a~o de servic¸o associado.
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BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. PSL 559/13, 2015. Senado Federal.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17. ed. São Paulo. : Revista dos Tribunais, 2016.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
REZENDE OLIVEIRA, Rafael Carvalho. Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Método, 2017.