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A banalização antagônica dos danos morais - Hipóteses de afastamento quando necessária sua fixação


Consagrado pelo artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988, embora com referência a casos de direito de resposta e violação a intimidade, a vida privada e a honra, é necessário que o dano moral reste observado não pelas questões casuísticas estabelecidas, devido a sua mera exemplificação, mas, sim, por análises construtivas baseadas no desenvolvimento do próprio direito.

De proêmio, resta importante deduzir que não é qualquer incomodo que seja apto a ensejar a reparação moral, e diante da subjetividade de tal instituto, a tarefa de sua dedução não é das mais amenas, cabendo ao magistrado sua quantificação, pela aplicação da jurisdição, em especial, pelo seu caráter de substitutividade, o que está se debatendo neste artigo, é justamente o entendimento e compreensão da questão pratica e social para a atribuição ou não do dano moral.

Por esse motivo, vozes doutrinárias como a de Sérgio Cavalieri1, entendem necessário ao magistrado o uso da prudência e da razoabilidade:

O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias. Este é um dos domínios onde mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do bom-senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade.

Noutro giro, é fato que o dano moral trata-se da maneira encontrada pelo Direito para compensar a vítima pelo abalo psíquico que veio a sofrer, portanto, sua aplicação não pode ser analisada sob o aspecto indenizatório. Sendo assim, quando da aplicação do dano moral ao caso concreto deve-se estrita observância ao seu duplo efeito, quais sejam: reparar e desestimular.

"Reparar", aqui entendido como sinônimo de "compensar" é aquele que busca suavizar o dano sofrido pela vítima, ao passo que, "desestimular" estaria ligado ao punitivismo, ou seja, a redução do patrimônio do causador do dano como forma de coibi-lo em práticas semelhantes, servindo dessa forma, como um verdadeiro instituto atenuante e pedagógico.

É fato que, tanto a compensação como o quesito desestimulador possuem um subjetivismo enraizado, impossibilitando a existência de mecanismos objetivos para comprovar a clemência que realmente se alega.

Parafraseando Coelho2, esse caráter emocional que circunda o dano moral acaba por gerar um "mundo de não me toques", construindo uma verdadeira vertente banalizadora, segundo a qual, qualquer mero aborrecimento é motivo hábil a propagar uma reparação, transformando o Poder Judiciário em uma verdadeira loteria.

No entanto, precioso cuidado também deve ser dado em hipóteses cuja aplicação do dano moral é tida como devidamente necessária diante de fatos em que a extrapolação ao mero dissabor é totalmente esmiuçada e comprovada, até mesmo, pela própria presunção, ou seja, a situação por si só já traz inquestionável aspecto danoso extrapatrimonial, de forma que se dificulta ou impossibilita qualquer entendimento contrário.

Conforme já colocado, à vulgarização do dano moral tendenciou os magistrados, que por muitos turnos afastam sua aplicação e divergem dos Tribunais ao qual são subordinados.

Cabe desta forma à necessária atenção aos artigos 926 e 927, ambos do Código de Processo Civil vigente, que atestaram a proximidade entre os sistemas do Commun Law e Civil Law. Com os artigos destacados, buscou-se a uniformização dos julgamentos, bem como a consolidação da segurança jurídica, objetivando ainda a celeridade processual.

O que tentamos exaustivamente defender, é que, pela depravação dos danos morais como aqui ficou demonstrado, o Poder Judicante acaba por não empregá-lo a casos que são de extrema necessidade. Exemplificamos: é precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a aplicação do instituto aqui debatido em situações de invasão animal em rodovias (citamos em especial os equinos), devido a inabilidade de fiscalização por parte dos concessionários. Contudo, em muitos casos, o ofendido acaba por não ter seu direito assegurado pelo "julgador de piso", necessitando clamar um futuro julgamento colegiado.

É incogitável que em casos de essencial aplicação, os magistrados, munidos pela discricionariedade que abraça sua função, banalizem o instituto do dano moral, deixando de mensurá-los em casos de presumível aplicação. O chamado dano moral In Ré Ipsa incide na própria pessoa, não dependendo de prova, necessitando apenas da demonstração de violação do direito.

Em síntese, o raciocínio suscitado objetiva a análise da não aplicação do dano moral, ou de sua aplicação antagônica em hipóteses inconteste de sua existência. Demais disso tem-se que, em inúmeros casos sua fixação representa um valor ínfimo, que em nada auxiliará na reestrutura do psicológico da vítima, pelo contrário, incita ainda mais o infrator a cometer condutas semelhantes, ao passo que, há veemente fragilização de sua finalidade pedagógica.

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1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. Pág. 92-93. São Paulo, 2012.

2 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil: das obrigações - Resposnabilidade Civil. 5ª ed. Pág. 520 São Paulo: Saraiva. 2012

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