Um hospital ajuizou uma ação sustentando que uma paciente foi internada no dia 01/06/2020 com covid-19, e mesmo após todos os tratamentos e terapias sido feitos, a requerida é hipertensa e diabética, apresentando grave estado geral, com anemia severa desde que chegou ao hospital. No dia 14/06/2020 seu quadro evoluiu para insuficiência respiratória, piora da função renal e diurese diminuída, com necessidade de transfusão de sangue, indicada pelo médico que a acompanhava.
O hospital alegou que "a realização de hemodiálise é essencial ao quadro clínico da paciente, o que comprova sua urgência, e que deve ser acompanhada de transfusão de sangue, sob pena de ensejar choque hipovolêmico e por conseguinte, a morte da paciente".
Mas, conforme os autos, os familiares da requerida se recusaram a assinar o termo de consentimento, impedindo a realização de hemodiálise e transfusão de sangue, e a própria requerida apresentou declaração de recusa ao recebimento de transfusão sanguínea por motivos religiosos.
A juíza de Direito Danielle Nunes Marinho, da 2ª vara Cível de Vitória/ES, analisou o conflito de dois princípios fundamentais e disse que "A liberdade de crença prevista no inciso VI, do artigo 5º da CF/88, abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada a preservar a saúde do paciente. O direito à vida, por sua vez, encontra amparo no caput do artigo 5º da CF/88, seu significado constitucional é amplo, porque ele se conecta com outros, a exemplo dos direitos à liberdade, à igualdade, à dignidade, à segurança, à propriedade, à alimentação, ao vestuário, ao lazer, à educação, à saúde, à habitação, à cidadania, aos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa."
A magistrada entendeu que "sobreleva o direito à vida ao direito à liberdade religiosa, em especial porque sem a vida não será possível exercer qualquer outro direito fundamental garantido constitucionalmente", deferindo o pedido de tutela provisória para que o hospital realize a transfusão de sangue.